sexta-feira, novembro 25

O telefone sem fio


Acho que muito do que diz a Itzia lá embaixo é certo, pois não é um segredo que a vida adulta vem a complicar aquilo que na infância era simples. Antes, eu me lembro, os amigos eram para sempre, o futuro tinha a forma dos meus desejos e todas as pessoas que eu queria continuavam ao meu lado. Era uma época onde eu podia brigar com meu irmão sabendo que ao dia seguinte brincaria com ele como se nada tivesse acontecido, que podia reprobar um exame sabendo que isso não era o fim do mundo, ou fazer o ridículo sem medo nenhum a opinião alheia.

E é que, ser menino, pelo menos para mim, era intuir que o amanhã não importa porque o hoje é para sempre; era ignorar a etiqueta, mesmo nas festas mais elegantes, e me descalçar os sapatos somente porque tinha vontade, era saber que as coisas eram tão simples quanto o fato de que o mundo gira... e issa simplicidade se refletava em tudo o que eu fazia, o que eu pensava, o que eu sentia.

Algum desacordo? Podia-se solucionar com um duelo de jakenpô (você sabe, ese jogo de pedra, papel e tesoura)... Encerrado na casa?, sempre era possível organizar um torneio de esconde-esconde..., mas, se você queria rir –dos outros e de você mesmo– o jogo do telefone sem fio era ideal: para brincar somente se precisava de alguns meninos em fileira, uma frase despropositada e um pouquinho de ludribia para mudar a oração escutada sem que ninguém se desse conta. Por exemplo: alguém cochichava na orelha do seu companheiro:
- O João é um menino bom pra quaese tudo.
- A Martha disse que o João é um menino bom em quase tudo – sussurrava-se para o menino do lado.
- Dizem que o João é um menino bom e... não escutei bem, mas acho que ele diz batatudo – comunicava o terceiro na formação.
E assim seguiam as coisas até que a última criança da fila devia dizer em voz alta a mensagem: “O João é um menino bonde e barrigudo!”, e os risos começavam (perdão João por lembrar isto, esteja onde estiver).

Ontem a gente podia brincar assim, com certa candura e abandono, o que fazia de nossas piores traquinices algo inofensivo e absurdo, mais o tempo nos tem ensinado que cualquer coisa pode ser levada a mal, que todo é um bom pretexto para se sentir ofendido e que o mais importante neste mundo é o amor propio, mesmo à custa dos outros.

Ignoro porque agora as coisas são mais complicadas, por que têm uma pequena semente de perversidade: hoje somos mais facilmente afrontados, aborrecidos, pouco interessados ou fechados en nós mesmos. Hoje pareceria que a gente de alguma maneira sempre está desapontada com alguém, com si mesma ou com a vida... e quando enxergo isto não posso deixar de desejar que as coisas fossem mais simples, como eu lembro eram antes de que o tempo nos arrebatasse o ontem das mãos.

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