domingo, maio 28

A vingança do dicionário


Quando entrei no tercero nível com a professora Marilene eu me senti excluido, eu não conhecia a ninguém, todos os meus novos companheiros eram amigos entre eles, mas não meus, e, o mais importante, todos tinham o dicionário Aurélio, um dicionário tão gordo e completo que não tinha comparação con o meu Collins-Pocket português-espanhol (tão magro e rudimento).

Na hora de trabalhar podiamos usar dicionário, mas como vocês imaginaraõ, somente um que fosse português-português... foi assim como tentar sequer utilizar o meu Collins Pocket converteu-se numa coisa vergonhosa... eu o levava sempre no meu saco mas, se alguem me perguntava: “você traz um dicionário?” eu negava imediatamente e dizia “não, esqueci em casa”.

Passaram os dias e eu comecei a fazer amigos, mas o fato de não ter o Aurélio era quase admitir que eu não pertencia ainda a essa comunidade que tão orgulhosamente tirava os seus dicionários importados do Brasil na menor provocação e que, com dissimulação, o colocavam no braço da cadeira para provocar o inveja das cinco pessoas que não o tínhamos. Eu não voltei a visitar ao Collins Pocket até que o curso finalizou.

Depois, no meu quarto nivel as coisas foram tão catastróficas (com um professor que nos abandonou no meio do semestre e outro que nos fez trabalhar a marchas forçadas) que todo mundo se esqueceu dos dicionários e, magicamente, todos volvimos a ser iguais. Eu perdi o pudor e utilizei con mais freqüência o meu Collins Pocket, e ele começou a sair do meu saco primeiramente com timidez, e mais tarde com escândalo e sem-vergonhice.

No quinto nível o meu dicionário e eu nos reencontramos como bons amigos, ele me ajudava a fazar as minhas tarevas e a resolver com escondimento alguns dos exercícios de gramática que o Arturo propunha nas aulas e eu, em compensação, o chevava nas bibliotecas para que compartilhase com outros livros e se ilustrasse um pouquinho, mas, a verdade, o seu passatempo favorito era que eu o colocasse baixo a sombra de uma árvore nas “ilhas” do campus universitário e o deixasse tomar o Sol.

Eu não me percatei de quando o comportamento do meu Collins Pocket cambiou, mas ele tornou-se vingativo e começou a me reclamar que eu tivesse vergonha de ele e que não o houvesse apresentado com os meus companheiros de tercero nível, e de um dia para o outro, a nossa incipiente amizade transformou-se em rivalidade. Quando eu precisava consultá-lo, ele não me mostrava os verbetes ordenados alfabéticamente, ou pior ainda, ele trocava o senso das palavras e me fazia passar muitos momentos de rídiculo: o mais ruim foi quando, no final da aula, e diante de toda a turma, eu em vez de dizer “vou me despedir agora”, eu disse “vou me despir agora”, somente porque o meu Collins Pocket assegurou-me que esse era o verbo que eu precisava de utilizar.

Depois de esa piada de mal gosto o Collins Pocket e eu ficamos zangados, eu deixei de consultá-lo e o encerre no meu saco, e ele começou a sair a escondidas e a ver a outros estudiantes nas minhas costas.

No principio eu não cai em conta que ele tinha fugido até que eu o procurei para escrever neste blog e ele não estava mais onde eu o deixei, senão baixo do brazo de uma aluna de segundo nível de português com a que eu paquerava e sobre a que pensava que podia ser o amor da minha vida (o pelo o amor dos meus seguintes dois meses). Um dia que ela e eu tivemos uma citação na cantina de Disenho Industrial eu vi que a minha paquera trazia o meu Collins Pocket com ela, mas eu não disse nada porque temia que o dicionário revelasse os meus segredos mais escuros para ela e assim pusesse ponto final as minhas pretensões amorosas.

Tudo estava normal até a semana passada, quando aconteceram dois coisas: primeiro eu fui ao Centro de Estudos Brasileiros para comprar um novo dicionário, finalmente um Aurélio; e segundo, eu encontrei ao meu prospecto de namorada muito molesta, tanto que ela me arrojou o dicionário dizendo que era o pior impresso que ele tinha visto na sua vida e que eu era um irresponsável por não lhe advertir do comportamento tão reprovável de esse livro.

E assim que eu continuo solteiro, e agora o Collins Pocket está encerrado, baixo chave, na minha casa, mas o outro dia o vi falando mal de mim com o novo Aurélio, e me parece que os dois estão preparando um plano em minha contra. Tenho tanto medo de uma nova sedição que eu já separei aos dois dicionários de português da minha Enciclopédia Britannica e da coleção Larousse (sempre e melhor prevenir que lamentar).

E por isso que escrevo esta postagem, para dizer que, quem quera se levar ese dicionário e ajudar-me pode me escrever e eu o chevarei até a casa de esse bom samaritano, e que se você encontra a minha escrita cheia de erros (o se se entera de que eu reprobei o sexto nível), a culpa é de esse maldito dicionário, que agora está mais rancoroso que nunca e se nega a sair da minha vida.


Um comentário:

Marquinhos dos Quadrinhos disse...

Oi Omar!

Como sempre, você escreveu uma história muito legal! E muito diversa às que tinha escrito antes. Gostei muito dela! Mas acontece que eu não sei se rir da sua história o ter medo. Nunca imaginei que un dicionário pudesse ser tão ruim e vingativo! Vou começar a vigilar minha biblioteca para saber se existe um complot contra mim! E falando nisso, se você quer que alguém compre o Collins, acho que náo deveu ser tão sincero. Acredito que depois de ler a sua história, membro nenhum do BLOG lhe comprará o dicionário! A gente se vê!